Hoje há galinha e galo, cabidela asséptica e galo capão
Cabidela Asséptica
Eu ia sempre com o meu pai à Praça da Ribeira comprar uma galinha viva, condenada a uma canja ou uma cabidela. O bicho subia ao cadafalso do colo da vendedeira e era morto de corte de gasganete e despido de penas e aflições. O sangue corria para a tigela, em golfadas coloridas que nos pintavam o rosto e zonas arredores.
Agora, as galinhas fresquinhas deram lugar ao fresquinho do ultracongelado, utra-higienizado. O sangue vende-se à parte, ensacado sob os mais rigorosos princípios de assepsia moral.
Será que o homem do matadouro lavou as mãos?
O Galo Capão
“Tirem-lhe os ditos e vão ver como fica, enorme e ainda mais saboroso!” – dizia o meu pai. Tinha eu 8 anos, em terras de Ribatejo. Dito e feito. Vem o capador e desgraça o galo que administrava a capoeira. O galo, machão ribatejano que geria o harém como ninguém, viu-se privado dos galões da sua masculinidade. Morreu uns dias depois, de tanta pena e pior humilhação.
O meu pai pôs as culpas na técnica do capador. Eu, na tristeza mais que justificada que mata qualquer homem, humano ou animal, a quem lhe cortem os ditos.
Cirurgias galináceas
A minha mãe operava as galinhas.
Ao primeiro sintoma de papo-rijo, lá vinha a Mãe Doutora armada, de tesoura à laia de bisturi, e zunga! Abria-lhes o papo, sacava a causa da maleita, fechava-o de novo com agulha, linha e com o à vontade de quem faz a bainha de umas calças.
Zonzas, de surpresa e de alívio, lá seguiam as galinhas para a sua caminha, onde a minha Mãe Doutora colocava um saquinho de água quente para aconchegar e ajudar à rápida recuperação das combalidas criaturas.